Volto a escrever sobre esse
tema, com a finalidade de esclarecer de uma vez por todas, porque a
hierarquização artística sempre é necessária.
Recentemente a discussão a
respeito do preconceito musical/artístico foi acalorada pela estudante que
escreveu uma dissertação sobre o funk. Não li o trabalho, mas li uma entrevista
com a autora. Pelo visto o trabalho tenta mostrar o funk de outra forma, uma
espécie de defesa de que o funk só é considerado música ruim por conta do preconceito.
Isso divide opiniões no meio acadêmico e musical e, o debate observado é
bastante tendencioso e sem consistência. Mostrarei porque a hierarquização
artística é necessária e inexorável. Tentarei ser o mais objetivo possível.
Um questionamento (que a
princípio parece ser “matador”) de quem escuta músicas tidas como ruins, é
alegarem que: “Se tal música representa uma grande quantidade de pessoas, o que
faz dessa música algo de qualidade ruim?” Esse deve ser o questionamento mais
usado para quem escuta arrocha por exemplo. Pois bem ... na verdade, a
qualidade artística é definida através do que cientificamente se entende como “conflito
simbólico”. Os conflitos simbólicos dos agentes sociais irão definir o que é “boa
arte” e “arte ruim”. Isso acontece através de uma análise estética da obra. Nesse conflito, os poderes são distintos. Um especialista
tem poder simbólico maior do que um sujeito qualquer. Isso acontece porque o
especialista tem maior legitimidade no meio. Isso existe não só na música, mas
em todos os tipos de arte. Em matéria de arte, a voz do povo não é a voz de
Deus. Isso é um absurdo? Não!
Se a voz do povo fosse a voz
de Deus, possivelmente todos os filmes de Van Damme ganhariam importantes
premiações, e isso seria uma injustiça artística. No cinema, o poder de consagração
é bastante concentrado, as premiações são definidas pela votação de
especialistas. Na música o processo é mais fluido, as premiações não tem tanto
impacto e, nem sempre são definidas por especialistas. Mas ainda assim, existe
um processo de consagração, que se dá através das opiniões emitidas por
especialistas e músicos principalmente. Programas de TV, revistas, opinião da
crítica, academia, etc, são meios de consagração. Nesse conflito, o “povo”
também participa, mas os poderes também são bastante distintos. Obviamente, um intelectual
tem maior poder simbólico do que um sujeito analfabeto. É através de todo esse
processo que os valores simbólicos são definidos, valores que estão em
constante mutação. Nesse sentido, fazer afirmações que levam a crer que funk e
arrocha são tratados como a escória da música por puro preconceito, são colocações
levianas e injustas. Ainda que sejam músicas que representam uma grande
quantidade de pessoas, essas pessoas (em sua maioria) tem pouco poder no
conflito simbólico, pois não são especialistas, nem possuem nível de instrução
legitimado.
Tudo que disse anteriormente
pode parecer escroto, mas quando estabelecemos comparação com outros tipos de
arte, fica mais fácil notar que não. Imagine se a voz do povo fosse muito “escutada”
na literatura. Possivelmente 50 Tons de Cinza seria considerada uma obra de
arte suprema, correto? O livro vendeu mais do que água no deserto, mas isso não
quer dizer que dentro da crítica literária, seja tratado como uma grande obra.
Na música é a mesma coisa, se o volume de vendas (que de certa forma ilustra a
vontade do povo) fosse parâmetro, Pablo seria um artista supremo e Yamandu
Costa seria um zé ruela.
É uma falácia também a
afirmação de que o preconceito de classe e de cor tem um peso enorme no
processo de legitimação. Recentemente vimos que as chamadas “Bandas Coloridas”
foram achincalhadas, mesmo sendo um estilo de brancos de classe média. O
sertanejo universitário está longe de ser música da periferia, e ainda assim
não tem prestígio na crítica. Existem inclusive severos questionamentos dentre
pessoas influentes na música, em relação à Bossa Nova ter posição tão
privilegiada no campo musical brasileiro. Os preconceitos existem, mas não são
tão decisivos quanto se pensa.
Qualidade artística é algo
que está no campo da subjetividade total, mas é necessário que os especialistas
tenham poder simbólico maior de consagração, ainda que eles carreguem valores
preconceituosos diluídos em seus posicionamentos. É melhor assim do que esperar
que o mercado por si só defina o que presta e o que não presta. É por conta do
conflito simbólico desigual que eu posso vender 10 mil CDs e ter maior
prestígio do que alguém que vendeu 500 mil. Sendo mais claro, é por conta disso
que Yamandu Costa não é injustiçado, mesmo não sendo rico, pois ele busca
enriquecimento simbólico, e não econômico. Enquanto isso existir, está
garantido que ele não dará um tiro na cabeça por ser um dos maiores violonistas
do país e do mundo.
Qualidade musical existe,
mas não devemos sentir vergonha por gostar de arte considerada vulgar. Devemos
apenas saber reconhecer, separar o que é supremo do que é banal ...
Seja lá que escreveu. Gostei! A introdução está muito bem feita. Gostei de verdade!
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