A nova polêmica (uma das
novas) do momento são os justiceiros, aqueles que resolveram com suas próprias
mãos fazer aquilo que o estado não faz: combater o crime. Que bonito, não é
mesmo?
Quem recentemente se envolveu na polêmica foi a jornalista Raquel Sheherazade: aquela que a nível de nome complicado, só perde para Friedrich Nietzsche e, a nível de encrenca, só perde para mim. Hehehe ....
Quem recentemente se envolveu na polêmica foi a jornalista Raquel Sheherazade: aquela que a nível de nome complicado, só perde para Friedrich Nietzsche e, a nível de encrenca, só perde para mim. Hehehe ....
Raquel deu uma declaração
que, em rede nacional, seria como se jogar do precipício esperando que as
pessoas aparassem.
Eu até gostaria de concordar
com a Raquel, mas não posso. Na verdade, o ideal seria se o contexto me desse
subsídios para concordar. Mas em busca do compromisso com a realidade, não dá
para concordar com uma declaração encharcada de individualismo.
Pelos meus 28 anos de vida,
me arrisco a dizer que pelo menos 60% dos justiceiros dão motivos para serem
amarrados no poste também. A final, estamos num país hipócrita, em que ladrão
rouba ladrão e ainda tira onda de correto. Alguém já amarrou no poste um
universitário que cobra para fazer monografias? Já amarrou aquele dentista que
vende notas fiscais para quem quer sonegar imposto de renda? Já amarrou aquele
professor que dá 20 minutos de aula e cai fora? Já amarrou aquele médico que “trabalha”
200 horas por semana? E aquele seu brother que fraudou o concurso da prefeitura
pra você passar? Será que Raquel defende que esses sejam amarrados no poste
também, ou amarrados em cima do formigueiro?
No entanto, é claro que um
assunto como esse, jogado nas redes sociais, ganha todos os adereços e
coloridos possíveis, típicos da nova “era glacial”, em que o discurso
politicamente correto é sempre o melhor. Nesse sentido, chovem aqueles
discursos míopes e raivosos. Alguns levam a discussão completamente para a
questão do racismo, de tal forma que fica parecendo que viram um negro na rua e
foram lá amarrar o cara. O racismo pode ser um agravante, mas acredito que a
essência do problema está na construção de valores a respeito dos crimes, uma
construção que perpassa pela nossa cultura individualista. Existe conflito de
classes também, mas não é algo maniqueísta, em que o sujeito de classe média
quer deliberadamente botar pra lascar em cima do pobre. Esse conflito está nas
estrelinhas. Se alguém de classe média resolver praticar assalto a mão armada,
provavelmente será tratado de forma bastante parecida com o tratamento que se
dá ao pobre. Da mesma forma, se um pobre bater o ponto e cair fora do trabalho,
também será tratado de forma parecida como alguém de classe média. É uma
construção que resulta na divisão entre: crimes toleráveis e intoleráveis.
Mas a final, o que é o crime
inescrupuloso? O crime inescrupuloso é aquele que perturba a ordem da
sociedade, que causa transtorno de forma direta. Cheguei em casa, fui usar meu
computador e ele não estava lá. Descubro que fui roubado, fico puto e quero
matar o cara. Esse computador pode ter sido comprado com dinheiro sujo, pode
ter sido dinheiro de suborno por exemplo, mas e dai? Suborno não causa
transtorno, não é mesmo? Suborno não deixa ninguém puto, com medo, desesperado,
apreensivo, etc. O crime só é inescrupuloso a partir do momento em que alguém é
afetado de forma direta. Por isso que quando alguém desvia dinheiro público, a
revolta de cada pessoa é menor, pois ela não sofreu transtorno diretamente, mas
sim de forma indireta. Inclusive o pobre reproduz isso da mesma forma. Se me
assaltarem, quero meter a porrada, mas se fizerem gato de energia na minha rua,
eu nada faço. Acredito que esse é o ponto X da questão.
E onde está a causa disso? A
causa está no individualismo de nossa sociedade, que costuma analisar em
primeiro plano o lado individual e, depois, se der tempo, o lado social. Quando
eu recebo suborno de alguém, naquele momento ninguém se sentiu afetado, então
eu ignoro todo o “efeito borboleta” que isso irá causar. O professor dá 20
minutos de aula e cai fora justamente porque os alunos não se sentem afetados,
em sua maioria. Ninguém lembra que isso representa uma desonestidade.
Dessa forma, quando as
pessoas veem os crimes sendo cometidos, elas se colocam no lugar da vítima, fazendo
julgamento a partir disso. Essa é a causa da ação dos justiceiros. Eles não
combatem o crime, querem apenas manter a ordem social. “Foi fulano, mas poderia
ter sido eu sendo assaltado”. Imbuídos desse pensamento individualista, as
pessoas promovem a auto proteção, com a faixada da “Justiça do cidadão comum”.
Os justiceiros estão
completamente errados. Mas você acha que não reproduz esses valores no
cotidiano também? Acha que eu e você estamos livres disso só porque não metemos a
porrada num batedor de carteira? Até que ponto você confunde justiça com auto
proteção? Pense nisso ...
Nenhum comentário:
Postar um comentário