terça-feira, 12 de outubro de 2010

O advento da distribuição imaterial da música


Que o surgimento do formato MP3, e os posteriores derivados, como WMA, dentre outros, foram (e estão sendo) um marco em relação à produção e distribuição musical, isso todos nós sabemos e estamos cansados de ler e ouvir falar sobre o assunto. O que não sei se a maioria das pessoas pararam para refletir é sobre o que significa isso para a relação do artista com o fã.

O mundo está se tornando cada vez mais prático, rápido, dinâmico, hoje as pessoas não levantam mais para mudar o canal da TV, podem “fazer” uma pizza em um minuto, falar com qualquer pessoa de qualquer lugar a qualquer momento, etc. Dentre essas coisas, elas podem também agora obterem o álbum da banda ou músico que quiserem em 15 ou 20 minutos (ou até 5 a depender da conexão) através do download. As pessoas fazem isso automaticamente, sem notarem a distância que esse processo está estabelecendo entre fãs e artistas.

O álbum é a representação material de uma obra imaterial, nesse sentido ele passa a ser então uma representação simbólica da obra. O processo de desaparecimento da representação simbólica da música, a meu ver, teve inicio com o surgimento dos CDs, pois a partir daí surge a pirataria. O álbum pirata não produz o mesmo efeito simbólico que o original, pois o mesmo não cria uma identidade entre o fã e o artista, não é a produção do artista, é uma cópia vulgar, barata e transgressora, já que é contra a lei. Antes disso, na era dos discos de vinil, existia uma maior identificação do artista com seus fãns, não existia pirataria (não que eu saiba ao menos), as pessoas compravam os álbuns por um preço que não era banal (isso é importante), e assim estabeleciam uma relação mais forte com o artista, o álbum nesse caso seria o mediador dessa relação. O crítico de arte John Ruskin, defendia que a obra de arte é um bem de luxo, portanto não pode ser vendida a um preço banal, isso faz todo o sentido.

O álbum nesse sentido, faz parte do processo de apreciação (ou apreensão) musical, o indivíduo que compra um CD original, ele no primeiro momento olha a capa, depois a contra-capa, tira o encarte, olha as fotos, as letras, todo o trabalho artístico ali presente, além de estar contribuindo e participando oficialmente (estatisticamene) daquela produção. Então existe uma espécie de ritual para apreensão da obra, ele se sente parte do processo. O antigo fã dos Beatles exibia com orgulho sua coleção de discos da banda, era a representação materializada de sua relação com a mesma, da mesma forma que um fã de Shakespeare exibe com orgulho sua coleção de livros do autor. Com essa tecnologia do download, mais do que isso, com a cultura do download e da imaterialidade total da produção musical, fica mais fluida a mediação entre artista e fã, fica mais fluida a identificação entre ambos também, não consigo imaginar um fã exibindo com orgulho sua coleção de arquivos dos Beatles (ou qualquer que seja) em seu computador. Isso não o representa enquanto fã, porque além das obras serem imateriais, a aquisição da mesma foi de graça e extremamente fácil e rápida.

Nesse sentido, a imaterialidade da distribuição das obras musicais, contribuindo para sua banalização, tem efeitos positivos e negativos, positivos porque facilita a distribuição, isso não pode ser negado, mas negativos por tornar mais fluida a representação da obra e o valor que os fãns atribuem à mesma.

Fazendo uma analogia, transformar um álbum em um arquivo de MP3, seria como transformar uma carta de amor em uma conversa por telefone.

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