sexta-feira, 26 de outubro de 2012

Cultura e o dogma científico do intocável

Depois que a antropologia admitiu a premissa de que nenhuma cultura é menos evoluída (ou pior) que outra, passou a ser proibido criticar a cultura alheia, como se fosse um pecado científico. Nesse sentido, uma série de hipocrisias e equívocos foram sendo cometidos.

A concepção de que nenhuma cultura é superior às demais, parte do princípio de que só é possível fazer tal julgamento partindo de valores, portanto, de um modelo de cultura como referência. Como os valores são construções sociais, seria então arbitrário julgar a cultura alheia como inferior. Mas o que as pessoas (e até mesmo antropólogos) precisam compreender, é que isso é uma base teórica para a definição de cultura enquanto algo subjetivo, não quer dizer que na prática eu não possa estabelecer julgamentos.

Julgar a cultura alheia não é "pecado", desde que eu o faça me utilizando de uma lente para enxergá-la. Ou seja, no campo da completa subjetividade, qualquer julgamento é arbitrário, mas se eu QUISER enxergar a cultura sob a ótica da liberdade por exemplo, posso sim fazer. Na verdade fazemos isso o tempo todo, mas muitos não enxergam, e se tornam hipócritas. Eu não posso criticar um índio que mata o filho que nasceu deficiente, mas posso criticar um cara que discrimina um gay. Como é isso? Que critério é esse? Se a cultura alheia não pode ser julgada, porque posso julgar minha própria cultura? É bom lembrar que a cultura que faço parte não foi construída por mim, e sim herdada.

Não poder julgar a cultura alheia significa não poder julgar a minha também, por uma simples questão de lógica, visto que o meu vizinho reproduz algo tão quanto um índio, ou um japonês. Nesse sentido, se não posso criticar um índio que mata seu filho, também não posso criticar um sujeito que discrimina gays. Ambos são motivados por questões culturais.

Feminismo, socialismo, movimento gay, movimento negro, qualquer tipo de luta contra a discriminação parte de valores, concepções de como a sociedade deve ser, de rompimento com os padrões. Portanto, esses movimentos JULGAM a sociedade a partir de uma “lente”, que é a lente da liberdade e da igualdade. E acredite, liberdade e igualdade são valores.

Vamos então parar com essa retórica de bolso para tirar ondinha de intelectual na mesa do bar. Todos temos o direito de criticar o que quisermos, inclusive a cultura alheia. Criticar não é sinônimo de dizer que a pessoa faz aquilo por impulsos individuais, mas sim dizer que aquilo está errado e pronto, é fazer a mesma coisa que fazemos todos os dias com nossos amigos, vizinhos e familiares. Sua cultura não é melhor do que a dos outros, portanto não trate a do outro como “café com leite”. É de um centralismo absurdo tratar a própria cultura como dinâmica e a do outro como intocável.