terça-feira, 17 de setembro de 2013

A ética corporativista

Fala-se muito que o povo brasileiro é especial. Um povo aconchegante, hospitaleiro, alegre, etc. Sempre achei essa visão totalmente tendenciosa. É uma forma de esconder nossos defeitos e colocar em um pedestal nossas qualidades, como se elas fossem mais importantes.

Não posso falar de “outras sociedades”, porque não convivo, apesar de sempre escutar relatos a respeito. Posso falar da minha, que conheço de perto. Aqui no Brasil o corporativismo é tão grande que praticamente se criou um código de ética corporativista.

Quando se fala em corporativismo, a primeira coisa que nos vêm à cabeça são os políticos, no máximo os médicos. Sempre é algo distante de nós. Por que isso? Porque o ser humano é conveniente e gosta de se colocar em posição de vítima sempre, nunca na posição de vilão. Basta um olhar um pouco mais perspicaz, para notar que esse comportamento está presente em quase todas as esferas sociais. Existe criatura mais corporativista que aluno? Se um aluno entregar o colega que está pescando, será considerado um sujeito escroto³, muito provavelmente será excluído da turma. A mesma coisa acontece em um trabalho em grupo, se o nome de alguém for excluído por não ter contribuído para o trabalho. Mas analisando racionalmente, por que é tão asqueroso esse tipo de coisa? Existem pessoas que se formam na base da cola e do oportunismo (montar nas costas dos colegas), quase nunca estudam, e essas pessoas irão receber o mesmo diploma daqueles que viraram noites estudando. É justo? Mas segundo o código de ética corporativista, é um crime entregar essas pessoas, mesmo se o sujeito for estudante de medicina, que futuramente colocará em risco a vida de pessoas.

Exemplos menores como o que citei acima servem para entender os maiores. Os alunos reclamam que os professores se protegem (e é verdade mesmo) sem olhar para si próprios, os professores fazem a mesma coisa. Nas instituições públicas de ensino isso é mais evidente. Se um professor não cumpre sua carga horária, algum colega irá denunciar? Por que uma pessoa da mesma classe ou categoria não pode “dedurar” ninguém, somente uma pessoa de outra classe/categoria? Qual o sentido dessa norma ética? Citarei um exemplo que ilustra muito bem essa incoerência: Se um determinado professor precisar faltar no dia da prova e colocar um funcionário para fiscalizar, esse irá cumprir o protocolo e fiscalizar de verdade. Mas se esse professor colocar um aluno de outra turma para fiscalizar, esse será pressionado a deixar a “pescaria” rolar e, se dedurar, será rotulado dos piores adjetivos possíveis.

Isso é resultado da nossa cultura egoísta, que tende a enxergar a sociedade em forma de sub-grupos sociais opositores. É como se a pessoa fizesse parte de um bando, e ela luta em prol do mesmo. A norma do bando é se proteger e se beneficiar mutuamente, não importa se é certo, errado, justo ou injusto. Na vida profissional isso é fácil de observar também, cada profissão busca criar barreiras para garantir sua reserva de mercado. “Só economista pode fazer isso; só contador pode fazer isso; só médico pode fazer aquilo”, e por ai vai. É fácil notar que essas normas na maioria das vezes não são buscadas pensando no social ou na coerência, mas sim na própria categoria (bando).

Muitos podem achar que isso é bobagem, mas o corporativismo é um mal social, uma hipocrisia disfarçada de “luta pela classe”. Alimenta-se o bônus de um grupo a qualquer preço, ainda que o preço seja ônus social. Não é raro inclusive observar grupos que detém bons salários, fazendo greve. Os auditores fiscais não tem nenhuma vergonha na cara de fazer greve para aumentar seus “pobres” salários, por que um político teria vergonha de aprovar uma lei que aumenta o seu? O nosso (meu) é sempre pouco, o do outro eu nem quero saber.

Corporativismo = individualismo de grupo, se me permitem transgredir a coerência textual.